CAPÍTULO NOVE
Dois dias depois que Lua e Arthur voltaram para o Texas, eles levaram Miguel ao estábulo, determinados a apresentar os cavalos do rancho para o garoto.
Lua contemplou seu amante, admirou o semblante paternal nos olhos de Arthur. Miguel montado nos seus braços, mimado e satisfeito.
— Este é Sir Caballero — disse Arthur ao bebê, parando em frente a um garanhão castrado. — Sir Knight. Ele é um dos meus favoritos.
— Ooooh. — Com os olhos arregalados, Miguel observou o cavalo.
— Você pode fazer carinho nele. Desse jeito. — Tomou a mão da criança e a guiou ao longo do focinho de Caballero.
O cavalo castrado bufou, e Miguel levou um susto. Arthur caiu na gargalhada.
— Isso é só conversa de cavalo. Ele está cumprimentando você. — Virou-se para Lua. — Preciso ensinar este rapazinho a montar.
— Ele ainda é muito pequeno.
— Quando ele for mais velho então?
O coração de Lua se abrandou, derretendo no peito. Pouco a pouco, Arthur estava se tornando o pai de Miguel.
— Ba... ba... ba. Pa... pa... pa. — Miguel balbuciou, e o animal empertigou as orelhas.
— Veja. Ele está ouvindo você — explicou Arthur. — Quando um cavalo está relaxado e suas orelhas estão viradas para frente, ele está expressando interesse. Agora, quando ele empina as orelhas, significa que ele está pau da vida. Você não vai querer fazer carinho em um cavalo quando ele estiver zangado. Não é isso mesmo, mamãe?
— Hmm. Hmm — Uma sensação de família vibrou através dela, uma excitação de fazer parte de algo, de desejos se transformando em realidade.
O filho de Arthur Aguiar.
Ele tinha o direito de saber sobre o outro bebê. A criança a quem dera a luz, o pequeno que morrera. Quando deveria contar a ele? Seis meses a contar de agora? Um ano? Quanto tempo se passaria até que o relacionamento deles solidificasse?
Arthur tinha medo de amá-la, receando que Lua pudesse ferir seus sentimentos.
E quanto ao perdão? Ele seria capaz de absolvê-la? Lua partiu sem avisar que estava grávida; ela retornou sem lhe contar que o filho dele estava morto.
O outro pônei.
A voz de Arthur retalhou seus devaneios.
— Vamos lá para fora — falou ele para Miguel, que se sacudia nos seus braços. — Nós podemos assistir tio Paco trabalhando.
— Talvez possamos fazer um piquenique mais tarde — sugeriu Lua. — Encomendar alguma coisa para o chef.
— Pra mim está ótimo. E quanto a você, parceiro?
Miguel demonstrou sua aprovação com um sorriso, e eles deixaram o estábulo.
No rancho contemplava-se belas paisagens e lindos sons da natureza. Numa arena próxima, Paco treinava seu aluno, um jovem rapaz, exortando-o a trotar numa cadência firme.
Chester se enquadrava na cena, também. O vira-latas se refestelava na sombra, bocejando escancaradamente.
Arthur se deteve para cumprimentar seu animal de estimação.
— O que você está fazendo, Ches?
Lua espiou o cachorro.
— Um monte de coisa nenhuma, a julgar pela aparência dele. O Senhor Preguiça em pessoa.
— Ca... ca... ca — disse Miguel, fazendo coro na conversa.
— Isso quer dizer papai? — perguntou Arthur.
— Na verdade... — ela fez uma pausa, encontrando a antecipação nos olhos dele — isso significa cachorro.
— Ah. — Sua voz esmaeceu.
— Mas pode significar papai, também. — Lua se aproximou dele, com a necessidade de manter viva a conexão familiar.
— Papai-cachorro, né? — Arthur achou graça. — Eu acho que vou passar essa adiante para Mica.
— Arthur. — Com uma repreensão brincalhona, ela bateu no seu braço.
A expressão dele se tornou séria.
— Ele vai ligar em breve, não vai?
— Vai. — Sabia que iria começar a se preocupar em relação ao irmão, a pensar nele com compaixão. — Vai ser bom ouvir a voz de Mmica.
Eles se dirigiram à arena, e ficaram apoiados na grade da cerca.
Miguel observava o homem montado sobre o cavalo, e Lua relembrava dias despreocupados. Manhãs nas quais ela, Mica e Arthur costumavam cavalgar pelas trilhas nas colinas.
— Fico feliz de saber que você vai ensinar Miguel a montar algum dia — disse Lua.
— É. Todos os bebês indígenas deveriam ser vaqueiros.
— Ou vaqueiras — acrescentou ela.
Horas depois, eles retornaram à casa de fazenda, um Miguel adormecido a reboque. Lua o acomodou para um cochilo e se juntou a Arthur na sala de estar.
A expressão no rosto de Arthur se tornou sombria.
— O que foi? — inquiriu Lua.
— Era Halloway. —Arthur deu um pigarro, lançando para ela um olhar confuso. — Sophia morreu esta manhã.
Lua teve um sobressalto. Ela sabia que aquilo estava prestes a acontecer, mas ainda assim doeu.
— O enterro é na terça. Halloway disse que nós não somos bem-vindos. Ele não nos quer por lá.
Uma torrente de lágrimas escorreu dos olhos de Lua. Sophia tinha mesmo partido. Não haveria mais despedidas.
E então um outro pensamento se infiltrou na sua mente, envolvendo a si mesmo em torno do coração dela.
Sophia estava com o outro pônei agora, cuidando da criança que Lua havia perdido.
O filho de Arthur.
Agarrando-se ao consolo do paraíso, Lua se moveu para ficar ao lado de Arthur. Naquele instante, ela prometeu a si mesma que contaria a Arthur tudo a respeito do bebê.
Algum dia. Quando chegasse a hora certa.
O dia chegou. Lua aguardava junto ao telefone ativado por combinação, ansiosa para que seu irmão ligasse.
— O te? — balbuciou a criança num tom curioso.
— Isso é um tigre. — Arthur atacou numa pose feroz. — Grrr.
— Grrr. — Arremedou Miguel, imitando Arthur com as duas mãos pairando no ar como garras.
Lua sabia que Arthur iria mantê-lo entretido até que ela falasse com Mica.
— E se ele não ligar? — disse ela repentinamente.
— Ele vai ligar.
— Mas e se não ligar?
Se o seu irmão não telefonasse, então deveria estar em apuros. Possivelmente até morto. A quadrilha não tinha desistido. Um matador de aluguel ainda estava no caso, um pistoleiro cujo único propósito era caçar o ex-amante de Sophia e matá-lo.
— Não consigo deixar de me preocupar — desabafou ela. Ajustou a cadeira na escrivaninha, e agradeceu a Deus por Arthur e pelo bebê. Sua família. Seu grupo de apoio.
Miguel apontou outra figura que saltava do livro.
— O te?
— É uma girafa. — Arthur ficou aturdido, procurando um barulho para descrever o animal. Então esticou seu pescoço, utilizando um recurso visual em troca. — Elas são altas. Vê? Elas alcançam o topo das árvores.
Miguel espichou o pescoço, também.
— Assim mesmo. — O orgulho ressoava em sua voz. — Temos um garoto esperto aqui.
Esperto.
— Como o meu irmão.
— É, como o seu irmão. — Pensativo, Arthur alisou os cabelos do bebê. — Por que Halloway proibiu Mica de namorar Sophia?
— Porque existem regras a serem seguidas. Regras que a Máfia impõe. Envolver-se num caso com a mulher, filha ou irmã de outro membro é desacato. Passível de ser punido com a morte.
— Mas Mica não estava enganando a moça. Ele queria se casar com Sophia. Existe uma regra contra isso?
— Não, se a permissão é concedida, mas alguns gângsteres não querem ver as filhas casadas com homens da sua organização. Não querem nem mesmo ver seus filhos envolvidos nos negócios.
— É, mas Halloway não faz esse gênero. Os filhos dele não são membros proeminentes da Família da Costa Oeste?
— Halloway até os promove. O filho mais velho é seu braço-direito.
— Então, por que não promover o homem que estava apaixonado pela sua filha? Que desejava se casar com ela? Por que arrebentar a cara do Mica e ameaçá-lo para se manter afastado de Sophia?
— A maioria dos homens é protetora em relação a suas filhas, mesmo homens como Halloway.
— Acho que tem muito mais do que isso.
— Mica e Sophia nunca comentaram nada a esse respeito.
— Talvez não quisessem que você soubesse de alguma coisa. Aposto que os sujeitos do FBI sabem. Aposto que eles sabem exatamente o que aconteceu.
Lua procurou o cartão que Sims dera a eles. Deixou o cartão bem à mão, preparado para fornecer a Mica todas aquelas informações.
— O te? — perguntou Miguel, ainda vidrado no livro.
— É uma cobra — explicou Arthur. — Como Enrique Halloway.
Quinze minutos se passaram. E então 30. Lua não desgrudou os olhos do relógio, contando cada segundo de atraso na ligação de Mica.
— Ca... ca... ca — disse ele, acariciando o cão. Chester retribuiu com uma lambida longa e babada, ma Lua não encontrou forças para achar graça daquilo.
Sophia foi enterrada ontem e Mica...
O telefone tocou, estridente como uma sirene.
Ela agarrou o fone, sentindo o coração retumbar.
— Alô?
— Me desculpe o atraso — respondeu uma voz familiar.
Lua suspirou e acenou positivamente com a cabeça para Arthur, que a observava, esperando a confirmação de que a pessoa do outro lado da linha fosse o irmão dela.
Lua afundou na poltrona, com o fone colado ao ouvido.
— Eu estava preocupada.
— Como vão as coisas entre você e Arthur? — quis saber Mica.
— Estamos ficando mais próximos a cada dia. — Próximos, rezou ela, de um compromisso. — Arthur é um bom pai. Tão bom quanto você esperava que fosse.
Um intervalo, e então um comovente...
— Como vai Miguel?
Olhou para o bebê. Ele mastigava um mordedor de borracha enquanto Chester roía um osso.
— Miguel está perfeito. Saudável e feliz. Ele adora o rancho.
— Sinto saudades dele.
— Eu sei. — Lua também sabia que essa conversa seria curta, apesar do sistema de criptografia. Mica não podia correr riscos, não mais. — O FBI esteve aqui.
— Por quê? O que eles queriam?
— Disseram que talvez possam ajudar. — Apanhou o cartão de Sims. — Os agentes deixaram seus nomes e telefones de contato. Anote tudo, está bem?
— Tem certeza de que esses homens são mesmo do FBI?
— Tenho. Christopher conferiu todos os dados. — Dulce leu as informações contidas no cartão, sabia que Poncho estava rabiscando tudo com sua caligrafia de Einstein.
— Você vai ligar para eles? — ela perguntou.
— Eu não sei. Vou ter que pensar sobre isso.
— Quero que você esteja seguro. — Imaginou Mica, com seus ombros largos e sua face rude, angulosa. Ele aparentava ser tão durão quanto era na verdade. — Eu amo você.
— Eu amo você, também.
Palavras tão fáceis de se dizer, pensou Lua. Palavras fáceis entre irmãos. Olhou de esguelha para Arthur. Difíceis entre amantes.
A voz de Mica falhou.
— Dê um beijo em Miguel por mim. Abrace-o, demonstre o quanto eu me importo com ele.
Seus olhos se encheram de lágrimas. Não podia fazer aquilo. Não podia contar ao irmão que Sophia estava morta.
— Tentarei ligar outra vez. Eu só não posso garantir quando — afirmou Mica.
— Estarei preparada. — Lua iria manter o codificador a postos, de modo que a linha continuasse aberta para as chamadas do irmão.
— Agradeça a Arthur por mim. Diga-lhe que... — Uma pausa forçada, um pigarro. — Apenas diga a ele que agradeço.
— Eu direi.
— Até logo, Ursa Loira. — Poncho usou o apelido que dera a ela quando eram crianças. — E não se esqueça daquele beijo, daquele abraço para Miguel.
— Não vou me esquecer. Prometo que não vou.
Um segundo depois, a linha caiu, deixando apenas o silêncio ecoar no seu ouvido.
Arthur pegou o bebê no colo e se encaminhou na direção de Lua.
— Ele está bem?
— Mica parecia solitário. Distante. Como alguém que está tentando se proteger de emoções fortes. — Colocou o fone no gancho e tomou Miguel no colo, abraçando apertado, pressionando seus lábios na bochecha da criança. Um beijo de Mica, do papai que ele perdera. — Não me senti em condições de contar a ele sobre Sophia.
— Eu não a culpo por isso. — Arthur enfiou as mãos nos bolsos, enrugando a testa de leve.
Permaneceram calados durante algum tempo, os dois pensavam a respeito de Sophia, lembrando dela no leito de morte.
— O que você acha que ela sentia por Micael? — indagou Arthur. — Se Sophia detestava os negócios do pai, então o que fez com que Mica, um dos capangas de Halloway, se tornasse tão atraente?
— As pessoas não podem escolher por quem se apaixonam.
— Me desculpe — disse ele. — Eu não quis insinuar que Mica não merecia Sophia.
— Mica costumava dizer a mesma coisa. Que não era bom o bastante para ela.
Arthur alisou uma mecha dos cabelos de Lua, confortando-a, tentando dissolver a melancolia, fazer com que aquilo se dissipasse no ar.
— Você está com fome? Posso preparar o jantar.
— O que você vai fazer?
— Qualquer coisa que você queira.
— Você decide. — Qualquer coisa cairia bem, qualquer coisa que reavivasse seu organismo debilitado.
Miguel cantarolava.
— Um... um... um — e ambos caíram na gargalhada. Arthur pegou uma colher.
— Parece que alguém quer sobremesa.
Assim que ele raspou um pouco do pudim da tigela de plástico para o bebê, Lua falou:
— Mica me mandou agradecer a você.
— Sério? — Arthur se voltou para ela e sorriu. — Acho que está dando certo. Nós dois como pais.
— Eu também acho. — Lua devolveu Miguel ao seu novo papai.
E quando os três se abraçaram, Lua permitiu que aquela sensação, a simples alegria de possuir uma família, tomasse conta dela por completo.
Arthur convidara Lua para ir ao The Corral, o inferninho local, para se distrair.
— Estou meio nervosa — disse Lua.
— Por quê? O que está errado?
— É que esta é a primeira vez que deixei Miguel sozinho.
— Ele não está sozinho. Está com Paco e Julianne. — Haviam mandado Chester a reboque, também. E, claro, por sua vez, o bebê Brendan também estava lá. — Miguel está em boas mãos.
— Eu sei, mas...
— Tome. — Estendeu o telefone celular para Lua. — Ligue para eles. Pergunte como ele está. — Arthur não queria vê-la angustiada.
Lua não pensou duas vezes.
— Oi. Julianne? Aqui é Lua. Estou ligando para saber como Miguel está se comportando. Sério? Fico tão feliz. Sim, por favor, coloque-o na linha. — Abafando o fone com a mão, Lua deu uma olhadela para Arthur. — Miguel vai atender ao telefone.
Lançou para ela um sorriso bem-humorado. O garoto iria tagarelar um monte de frases sem sentido, do mesmo jeito que fazia com o seu telefone de brinquedo.
— Olá, querido — cumprimentou ela, suavizando o tom da voz. — Você está se divertindo?
Arthur observou sua expressão, o brilho maternal nos seus olhos. Ela estava simplesmente encantada, com um sorriso no rosto, ouvindo Miguel balbuciar.
Depois de um rápido intervalo, ela disse:
— Eu amo você. Dê um beijo de boa noite em Chester por mim, e papai e eu vamos ver você mais tarde. — Lua falou com Julianne mais uma vez, e então encerrou a ligação.
— Sente-se melhor agora? — indagou Arthur.
— Muito. — Devolveu o celular dele. — Julianne disse que Paco estava dando voltas com Miguel montado nas costas.
— É mesmo? — Arthur não havia pensado em entreter Miguel daquela maneira, mas sua condição de papai ainda era uma novidade.
Naquele momento, Arthur ficou admirando Lua. Ele sempre fora fascinado por ela, mesmo quando eram crianças, quando ela tinha o peito achatado e joelhos salientes.
— Você era bonitinha quando era nova — disse ele.
Lua ergueu seu copo de vinho, sorveu um gole.
— Bonitinha?
— Eu gostava de saber que você tinha uma queda por mim. Fazia com que eu me sentisse importante.
— Você era importante. O único garoto com quem eu queria estar. Claro, teve aquele pedaço de mau caminho que me levou para o baile de formatura. Ele beijava muito bem. E ele...
— Sem detalhes.
Lua brincou com o guardanapo do seu coquetel, lançando um sorriso tímido para Arthur.
— Ciúmes?
— Isso mesmo. — Ele jogou um amendoim nela e fez Lua soltar uma risada.
— Eu beijei alguns garotos. E você? Com quantas mulheres você já esteve?
— O que eu posso fazer se sou tão irresistível?
— Elas eram umas vadias, Arthur. Mal podem valer de motivo para se vangloriar.
— Eu estava esperando por você.
— Levando cada morena da cidade para a cama? Foi um sacrifício e tanto.
— Você quer dançar? — convidou ele.
O olhar de Lua encontrou o dele, e ela pareceu relaxar, para apreciar a mudança súbita de assunto, a sugestão para abraçarem um ao outro.
A canção era calma, a atmosfera leve e sensual. Arthur abaixou a cabeça para beijá-la, saboreando seu calor, sua doçura, o vinho condimentando seus lábios.
— Eu amo você, Arthur.
Sem fôlego, ele quase tropeçou. Arthur não se permitia amar Lua, mas isso não eliminava a obsessão, a necessidade, o desespero em desejá-la.
— Só não me abandone novamente — avisou ele.
— Não vou.
— Promete?
— Sim.
Lua afagou seu rosto com os lábios, e Arthur rezou para que não estivesse enganando a si mesmo. Que não iria acordar no meio da noite outra vez e descobrir que Lua se fora.
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